Entrevista com o conselheiro federal Alexandre Wunderlich sobre a resolução 24 do Coaf
Data de postagem: Mar 17, 2014 1:9:13 PM
Segundo Wunderlich, a nova medida dá margem à interpretação, mas que tudo indica que os advogados estão fora do âmbito de incidência da lei, pois precisam dar informações somente àqueles agentes que não têm suas profissões reguladas por órgão próprio.
Começa a valer a partir do dia 1º de março, a Resolução 24 do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que modifica entendimento na Lei 9.613 de Lavagem de Dinheiro.
Pela Resolução 24 do Coaf, de 16 de janeiro de 2013, está disposto que os procedimentos devem ser adotados pelas pessoas físicas ou jurídicas não submetidas à regulação de órgão próprio regulador que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, na forma do § 1º do art. 14 da Lei nº 9.613, de 3.3.1998.
A medida altera mudança, em julho de 2012, na Lei de Lavagem de Dinheiro, que regulamentava o dever de pessoas físicas e instituições de prestarem informações de seus clientes, tais como dados sobre operações comerciais, imobiliárias, industriais, financeiras, gestão de sociedade sobre qualquer natureza, e também sobre fundos e aquisições de direito sobre contratos.
À época, o Conselho Federal da OAB emitiu parecer declarando que a lei não se aplicaria aos advogados, pois não existe referência expressa sobre o advogado na lei. Atualmente, a OAB possui uma ADI sobre o caso, que aguarda julgamento do STF.
Para o conselheiro federal da OAB/RS, Alexandre Wunderlich, a Ordem gaúcha sempre foi contrária à lei, pois ela viola o sigilo entre o advogado e cliente, uma das prerrogativas profissionais da classe.
Também destaca que a nova resolução dá margem à interpretação, mas que tudo indica que os advogados estão fora do âmbito de incidência da lei, pois precisam dar informações somente àqueles agentes que não têm suas profissões reguladas por órgão próprio, sendo que os advogados têm regulação específica prevista na Lei8.906, assim como órgão regulador.
Confira a entrevista do conselheiro federal da OAB/RS, Alexandre Wunderlich, ao Jornal da Ordem:
Jornal da Ordem Antes da resolução, as interpretações da lei afrontavam às prerrogativas dos advogados?
Alexandre Wunderlich A questão é que a nova Lei de Lavagem de Dinheiro recorre ao auxílio do controle privado para o tratamento das infrações penais. O Estado criou novos "deveres de informação" e delegou a diversos profissionais uma espécie de exigência de rígido controle de dados cadastrais e sobre as movimentações financeiras de seus clientes, fundamentalmente operações incompatíveis com o patrimônio ou com a capacidade econômico-financeira do cliente. Realizando um processo hermenêutico descontextualizado e fora da órbita constitucional, poderia pensar que os advogados estariam obrigados a comunicar ao Coaf sobre eventuais operações suspeitas da clientela, assim como os contadores, as empresas seguradoras, as corretoras, as empresas de assessorias financeiras, societárias ou imobiliárias e outros tantos profissionais elencados na lei. A OAB/RS sempre foi contrária a qualquer forma de obrigatoriedade e violação à regra da sigilação. O sigilo é ínsito à relação advogado-cliente. Os advogados nunca estarão obrigados a prestar as informações das atividades de seus contratantes, o sigilo faz parte da nossa profissão e existe um corpo legislativo que fundamenta a regra. Qualquer pensamento diverso é totalmente alheio aos preceitos legais de uma democracia.
JO - Agora, após a Resolução nº 24 do Coaf, está claro que os advogados não necessitam mais fornecer informações, ou ainda existe margem para interpretação?
Wunderlich A verdade é que a redação da nova Lei de Lavagem de Dinheiro dá margem a interpretações. A resolução auxilia no processo de interpretação, justamente porque delimita o objeto da lei. A resolução dispõe sobre os procedimentos a serem adotados pelas "pessoas físicas ou jurídicas não submetidas à regulação de órgão próprio regulador" que prestem, mesmo que eventualmente, "serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência", na forma do § 1º do art. 14 da Lei nº 9.613/98. Neste contexto de imposição de "deveres de informação", o Estatuto da OAB, as legislações sobre Ética Profissional, o Código Penal e o Código Civil já tratam do sigilo profissional no Brasil. A resolução é um bom começo no processo de hermenêutica, mas o texto não é taxativo. Sempre haverá abuso de poder, autoritarismo e arbitrariedade, por isso devemos estar vigilantes, como sempre, na defesa de nossas prerrogativas. Devemos seguir cumprindo nosso múnus público de advogado e zelando pelo Estado Democrático.
JO Como a Ordem gaúcha vê essa nova resolução?
Wunderlich Em linhas gerais, a resolução não diz expressamente que o advogado está desobrigado de prestar as informações ao Coaf. Entretanto, diz que estão obrigados a dar as informações somente aqueles agentes que não têm suas profissões reguladas por órgão próprio regulador "pessoas físicas ou jurídicas não submetidas à regulação de órgão próprio regulador". Entendo que nós temos regulação específica prevista na Lei 8.906 e temos órgão regulador próprio, o que conduz ao raciocínio de que pelo teor da resolução estamos fora do âmbito de incidência da nova lei. É cediço que a OAB regulamenta toda a atividade específica da advocacia brasileira, é o nosso órgão regulador. Então, a Ordem gaúcha só pode ver com bons olhos a resolução, eis que ela caminha ao lado de toda legislação que exige de nossa atividade o sigilo profissional.
JO Qual é o teor da ADI que a OAB ajuizou no STF?
Wunderlich A lei é um tanto abrangente e genérica. A preocupação da OAB foi justamente evitar interpretações descontextualizadas e abusivas. Em decisão unânime de agosto de 2012, o plenário do Conselho Federal da OAB, em entendimento confirmado pelo Órgão Especial, decidiu que o advogado, em razão do sigilo da profissão previsto no Estatuto da Advocacia e no Código de Ética, não tem o dever de informação sobre operações de assistência ou consultoria a seus clientes ao Coaf. Portanto, para a OAB não se aplicam aos advogados os dispositivos da nova Lei de Lavagem de Dinheiro. Qualquer interpretação que viole a regra do sigilo profissional do advogado, na minha ótica, é inconstitucional e rompe ainda com uma série de dispositivos infraconstitucionais. Penso que este seja o mérito da ADI que tramita no STF, a preservação integral da regra da sigilação profissional advogado-cliente.
João Henrique Willrich
Jornalista MTB 16.715
Fonte http://jornal-ordem-rs.jusbrasil.com.br/